Reprimir a criança promove o bem-estar dela

Por Rosely Sayão

Duas situações muito interessantes ocorreram quase simultaneamente esta semana, envolvendo o comportamento de pais e a educação dos filhos. A primeira foi testemunhada por uma leitora que, indignada, escreveu para esta coluna contando o que passou.
Ela e alguns amigos foram a um restaurante para comer uma pizza. Lá, cruzaram com um casal e seus dois filhos, um menino de uns 11 anos e uma menina de sete. Nossa leitora conta que as crianças ficaram o tempo todo correndo pelo corredor vazio do restaurante, gritando e brincando de queimada com uma bolinha feita com o papel que cobria uma das mesas vazias. Todas as pessoas que estavam no restaurante ficaram visivelmente irritadas, mas os pais agiam como se estivessem em casa, sem dar a menor importância ao comportamento dos filhos ou aos comentários dos outros clientes, feitos em tom alto.
A segunda situação aconteceu comigo. Estava na sala de trabalho de uma amiga – em uma grande empresa – quando, sem aviso, entra uma criança de mais ou menos um ano e meio, sozinha, que ela nunca havia visto antes. Sem a maior cerimônia, como age uma criança dessa idade, ela foi explorando o ambiente, cheio de mesas, livros e equipamentos de informática. Minutos depois, aparece na porta uma mulher – a mãe da criança que estava de passagem pela empresa – que, da entrada da sala, diz para o garotinho: “Criatura, será que vou ter de segurar você para ficar ao meu lado?” Bem, devo dizer que eu não me contive e respondi à mulher que sim, ela teria de segurar o filho.
No primeiro caso, as crianças envolvidas tinham idade suficiente para se conter e ficar o tempo necessário sentadas perto dos pais enquanto comiam. Claro que isso pode ser difícil e enfadonho para crianças cheias de energia e vitalidade. Mas pode ser aprendido. É bom lembrar que a vida em sociedade tem regras que demandam esforço das pessoas e nem sempre são agradáveis de serem atendidas.
Se a criança compreende que há uma compensação, que é a de sentir-se incluída nesse grupo, logo dará sua colaboração sem muito drama. Além disso, na situação relatada por nossa leitora, caso os pais estivessem motivados para um jantar em família, e não apenas a dois, certamente poderiam desenvolver uma conversa com os filhos de modo a envolver as crianças no assunto e, assim, tornar o tempo de espera no restaurante muito mais interessante, e o relacionamento entre eles também.
E no segundo caso? Bem, uma criança com menos de dois anos não tem a menor possibilidade de se controlar frente a estímulos que considera atraentes. É responsabilidade dos pais segurar a criança para que ela não vá aonde não deve, aonde é perigoso, aonde não pode. E sermão nessa idade ou frases do tipo da que a mãe do garoto do exemplo lhe dirigiu são absolutamente carentes de qualquer efeito. Ou alguém acha que o menino teve alguma noção a respeito do que a mãe disse?
Muita gente pensa que ensinar a criança a se comportar em locais públicos ou conter seus impulsos, quando necessário, serve para promover o bem-estar dos outros.
Não. Serve para o bem da própria criança e da comunidade em que ela vive, o que reverte em mais benefícios para ela também.
Como comentou a leitora que escreveu contando o caso, se as crianças não aprendem a respeitar as regras de convivência em grupo, no futuro, provavelmente deixarão o carro parado em fila dupla, jogarão lixo pela janela e tomarão outras atitudes de completo descaso com o coletivo.
Só que, quando o coletivo é prejudicado, cada indivíduo que participa dele também é.
O que acontece com esses pais, afinal? Será que não se deram conta da responsabilidade que têm com a educação dos filhos? Será que não perceberam que não é possível se furtar ao papel educativo o tempo todo em que convivem com os filhos e que não podem delegar isso a ninguém? Ou será que não têm a mínima idéia do que a criança precisa? A criança precisa de pais que a amem, e amor se expressa com carinho, proteção e educação.

Rosely Sayão é psicóloga, consultora em educação e autora de Sexo é Sexo (Companhia das Letras).

Folha Equilíbrio – 4/abril/2002 – Folha de S. Paulo