Escutatória

Por Ruben Alves
 
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. (…) Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. (…) Para ver é preciso que a cabeça esteja vazia.

(…) Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer.

(…) Para ouvir não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio de dentro. Ausência de pensamento. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. 

SE EU FOSSE VOCÊ

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “se eu fosse você…”(…)

(…) Para ouvir não basta ter ouvidos. É preciso parar de ter boca. Sábia a expressão: “Sou todo ouvidos”. Todo ouvidos; deixei de ter boca. Minha função falante foi desligada. Não digo nada. Nem para mim mesmo. Se eu dissesse algo para mim mesmo, enquanto você fala, seria como se eu começasse a assobiar no meio de um concerto. Faço, para ouvir você, o mesmo silêncio que faço para ouvir música.(…)

(…) A gente ama não é a pessoa. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não escuta que ele termina.(…)

Estes trechos foram extraídos dos textos: “Escutatória” e “Se eu fosse você…” do Livro O Amor que Acende a Lua, de Ruben Alves.
 

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